A sorte de um amor tranquilo
- Monique Prado

- 27 de nov. de 2021
- 3 min de leitura
As relações são lugares onde experimentamos o nosso espelhamento enquanto sujeito. No outro aparece o nosso reflexo e as máscaras caem. Um lugar onde as teorias dão lugar a práxis e as as vulnerabilidades transbordam.
Eu sempre me interessei pelo amor enquanto algo estruturante para o exercício de viver. Sabemos mesmo que a vida é tão passageira que não dá tempo de experimentar tudo e às vezes a gente sente esse compromisso com a ideia de potencializar os nosso afetos como se amar fosse entrar em uma aventura holywoodiana.
Esses dias ouvi o professor Renato Noguera falando sobre como nos cansamos com essa ideia ocidental de sair da zona de conforto como se o tempo todo precisássemos procurar no outro (ou em outro lugar) aprovação e validação para algo que é extremamente intrínseco e só a gente sabe o que nos faz feliz. Para ele, deveríamos relaxar ao encontrar a zona de conforto e não o contrário.
Claro que essa não é uma perspectiva cartesiana sobre o amor em que não se admite ser influenciado por fatores externos e as complicações decorrentes da própria vida como dificuldades financeiras, dor emocional, saúde mental em desequilíbrio ou a morte. Entretanto, a forma como nos dispomos a enfrentar no campo do amor as nossas limitações pode dizer muito sobre a nossa habilidade de aceitar o outro.
É interessante a palavra "afeto" ter a sua origem na palavra "afetar". De fato, amar é se permitir ser afetado, pois se reconhecemos nesse espaço um campo seguro para deixar fluir as nossas vulnerabilidades e as nossas potências, é importante nos deixar ser atingidos, contaminados, afetados.
O amor no seu formato preconstítuido, imagético e estético ocidental é certamente capitalista e castrador, o que é muito assustador pois naturaliza o controle e as desavenças que bagunçam a nossa psique e em muitos casos desembocam em violência.
Esse ano tenho tido grandes surpresas sobre o exercício de amar justamente na tentativa de quebrar esses paradigmas a fim de acreditar em amores possíveis, espaços onde o acolhimento, o respeito e o pertencimento sejam mútuos. Pensar na reciprocidade como algo que constitui um afeto saudável me traz um quentinho no coração.
Por isso me assusta uma perspectiva utilitarista dos afetos. O gozo desacompanhando de sabor. É como comer comida mexicana sem pimenta. Isso eu não quero.
Esse acolchoado afetivo onde você pode exercer a sua subjetividade e tem a chance de refletir sobre melhora-la visa o ponto de equilíbrio entre o derradeiro e a montanha russa, com o fim de buscar em si e dividir com o outro a sua cura emocional.
O afeto transgressor precisa estar constituído com base na liberdade, consenso, confiança e reciprocidade. O corpo é movimento transcendental. Nem sempre é lúcido. Experimentar-se primeiro antes de jogar no colo do outro a satisfação dos próprios desejos é fundamental.
No entanto, essa pretensa liberdade não pode servir como armadilha para gerar mais opressões. Por exemplo, se o capitalismo torna os corpos consumíveis, alguns produtos (entenda-se corpos) tornam-se mais valiosos do que outros. Na cultura da domesticação, do estupro e da hirpersexualização, quem está na outra ponta provocando essas opressões pode gerar relações disfuncionais e intra-opressoras.
O ponto chave para destravar esse nó é o dialogo franco e o consenso honesto, justamente para que o território afetivo não seja uma areia movediça que enterre uma das partes, ou seja, causando controle e adoecimento desnecessários.
O gostoso em amar é perceber no outro um grau de choque e compatibilidades. Amar é um espaço frutífero de deixar fluir os sonhos e os desejos. Se machuca, diminui e violenta com certeza não é amor.







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