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A Doutora da pele preta

  • Foto do escritor: Monique Prado
    Monique Prado
  • 24 de jun. de 2021
  • 3 min de leitura

Não é incomum eu escutar que não pareço advogada. Nos meus dois primeiros anos de advocacia eu francamente achava que isso tinha relação direta com a minha aparência ainda juvenil, mas com o tempo fui levada a refletir um pouco sobre como as relações sociais são construídas e inevitavelmente me deparei com a questão étnico-racial.

Em 2015 quando graduei aos 23 anos no curso de Direito não tinha a real dimensão de que algumas áreas como o Direito e a Medicina continuavam no imaginário das pessoas como algo distante e “elitizado” de forma que o impacto imediato é a leitura desses profissionais como alguém que detenha status social ligado a posses e riqueza. Pois bem, é exatamente a partir desse senso comum que decorre a intersecção entre classe social e etnia.

Não podemos esquecer que a cordialidade foi um instrumento indulgente que ocultou por muito tempo a desigualdade racial, onde a empregada doméstica e o caseiro, geralmente negros, poderiam tranquilamente serem chamados como “pertencentes da casa” ou “quase da família”, desde que não agissem como tal, ou seja, era de bom tom que ficassem circunscritos a serventia com acesso apenas aos fundos da casa. Essa reflexão foi traçada brilhantemente no filme “Que horas ela volta”.

Na mesma linha, a prática discriminatória adentra as grandes corporações e os escritórios de advocacia, um exemplo disso foi demonstrado no teste de imagem realizado com profissionais de Recursos Humanos.

O teste foi feito pelo Governo do Estado do Paraná e foi dividido em dois momentos de análise. No primeiro momento, foi mostrado aos recrutadores 05 fotos sem identificações de nome, idade ou origem, apenas tendo em comum a pele branca: 1) jovem um correndo; 2) uma moça segurando um casaco; 3) um homem de terno; 3) um rapaz cuidando do jardim; 4) uma mulher limpando a pia e; por fim 5) uma garota segurando na mão uma tinta spray. Na segunda fase do teste foi apresentado ao grupo de recrutadores exatamente o mesmo conceito de fotos, porém com pessoas negras.

O procedimento e a pergunta realizada nas duas etapas foram feitos de igual forma. As fotos eram mostradas individualmente e em seguida o entrevistador questionava aos recrutadores o que eles viam na foto. Ao jovem branco correndo foi dito que ele estava atrasado enquanto que ao negro que ele era bandido. A moça segurando um casaco era lida como designer de moda enquanto que a negra, costureira. O homem branco de terno era lido como executivo enquanto que o negro, segurança. O rapaz caucasiano cuidando do jardim disseram ser o proprietário da casa enquanto que o negro, o jardineiro. A mulher branca limpando a pia era a proprietária enquanto que a negra empregada e por fim a garota branca era grafiteira enquanto que a negra era tida como pichadora.

De fato não diferem em nada de algumas situações das quais já passei como, por exemplo, estar no fórum acompanhada de uma cliente caucasiana e o escrevente dirigir-se a ela como se fosse a advogada ou uma outra ocasião em que eu estava com uma colega advogada caucasiana em uma reunião externa com diretores de um potencial cliente, onde na mesa eu era a única que detinha o conhecimento jurídico da matéria, entretanto todos reportavam-se exclusivamente a ela.

É claro que o audiovisual e a publicidade contribuem violentamente para esse cenário criando quase que um processo pedagógico que delimita a etnicorracialidade das pessoas capitaneando o imaginário da sociedade de forma a criar uma identidade posta como o retrato social modelo, o que acaba por causar espanto quando alguém se depara com uma pessoa negra na condição de médico, engenheiro, juiz ou arquiteto.

Não há dúvida de que essa normatividade é perversa, principalmente porque ao se debruçar a temática é possível observar que não se trata de algo inofensivo, moderado e despretensioso, ao contrário. A ausência de um olhar crítico e antirracista sobre o tema tem efeito real na vida da população negra, já que em menor ou maior grau desaprova profissionais em entrevistas de emprego, fomenta as batidas policiais e cria obstáculos para ascensão social dessa população.

Meu convite é para que você não naturalize o olhar. Seja crítico, observe, questione e acima de tudo participe desse processo de desmistificação do status quo.



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©2025 por Monique Rodrigues do Prado

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