Despertar-se negra: entre a revolta e a pulsão criativa
- Monique Prado

- 9 de set.
- 3 min de leitura
Atualizado: 10 de set.
O que dizer depois daquele poema de Victoria Santa Cruz? O poema declamado em espanhol pela artista peruana te rasga inteira, mostrando cada etapa da tentativa de aniquilamento de cada pedaço negro que existe fora e dentro de você.
Hoje me ocorreu de pensar o que seria de mim se tivesse em tenra idade conseguido nadar contra a maré e visto o brilho reluzente que estava ali dentro de mim em chamas, louco para saltar do meu corpo e causar um incêndio; não só para acalmar a minha dor de não suportar o racismo cotidiano que aconteceu sobretudo na fase escolar e que depois na fase adulta ganhou nova roupagem para manter de uma estrutura rígida das posições sociais de quem é branco (hetero-patriarcal-socialmente aceito) e quem é escoado para ser a sombra.

Acorrentada pela crueldade branca que vai desde a forçosa ocupação simbólica dos prédios e praças públicas, onde as estátuas vão ditar o poder branco à criação higienizada do que é humanidade, o poema vai dilacerando cada entranha suas marcas internas começam a transparecer no seu corpo: vergonha, negação e auto ódio são alguns desses sentimentos que aparecem muito cedo na vida de uma criança negra que é colocada de lado em prol de uma racionalidade branca de quem merece status de ser considerado sujeito pleno.
Aquela ardência precisava somente de um fósfero porque já era pavil.
Nada é tão linear e coerente quanto parece até porque só é preto no branco a manutenção hegemônica que sustenta o mito mais próspero brasileiro: SOMOS TODOS IGUAIS.
Até eu me perguntar: MAS CADÊ OS IGUAIS A MIM? Trocando em miúdos: Onde estão os negros?
Me lembro de um trecho recente que vi no texto de um dos consolidadores do termo negritude, Aimé Césaire, o qual dizia sobre a importância que o ocidente dá em reforçar em todo documento legal que o Estado existe para sustentar o tal direitos à todos.
O pensador estava tratando com ironia, o clássico jargão francês: "Liberté, Égalité, Fraternité" que sem sombra de dúvida os países colonizados refutariam essa falácia revolucionária, já que atende somente aos amigos do rei. Estamos falando da França, o pais de 551 695 km² que caberia tranquilamente dentro do Estado da Bahia com 564.733 km²; o mesmo país que cobra o chamado CFA, apelidado como imposto colonial, que obriga países africanos a depositar parte considerável de suas reservas para o Tesouro Francês.
É muita autoestima colonial, ou podemos chamar de poder militar econômico que empurra a africanidade para o abismo e para a revolta, por que quando falamos na República de São Domingos e que Toussaint Louverture que deu cabo a vida de todos os brancos da ilha do que mais tarde passaríamos a conhecer como Haiti, declarando em sua constituição a autonomia e soberania negra, a história oficial faz questão de esquecer, ou como dia Sueli Carneiro, apagar e se apropriar.
Mas e a questão do negro como anda?
Se até agora Santa Cruz ressoa:
Negra! Negra! Negra! Negra!
Negra! Negra! Negra! Negra!
Negra! Negra! Negra! Negra!
Negra! Negra! Negra!
Y qué?
Y qué?
Negra!
Si
Negra!
Soy
Negra!
Negra
Negra!
Negra soy
O que nos resta?
Apostar na tragédia colonial e odiar a cordialidade branca falseada dentro das instituições ou acreditar no genocídio em curso que Achille Mbembe denuncia?
Quem nos espera?
Comecei escrever esse texto para calar a voz das atrocidades sejam elas econômicas, sociais ou políticas. Mas ela não se cala!
Por teimosia, ouço uma voz quase angelical de minha mãe que depois de velha (85 anos) tem sorrido como senão houvesse amanhã. Sempre que observo a sua risada singela me convenço de uma revolução socioemocional onde a queda do mundo branco começa com a recusa da linearidade branca e com o adensamento da resistência criativa negra que colocou-se em pranto, por desespero do não retorno, mas nunca deixou de criar vida.






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