Inclusão racial: modismo ou missão?
- Monique Prado

- 24 de jun. de 2021
- 5 min de leitura
Entramos em novembro com objetivo de discutir a promoção da igualdade racial, já que dia 20 desse mês fixou-se o “Dia da consciência negra”, data em que ocorreu a morte de um dos maiores líderes do movimento negro na época da escravização: Zumbi dos Palmares.
A data costuma trazer certo rebuliço e resistência daqueles que não compreendem o pano de fundo do dia, sendo comumente utilizado o argumento de que “não me considero racista e por isso não vejo necessidade do dia da consciência negra”. Para deslegitimar a data, outros ainda dizer que “pessoas brancas sofrem igualmente como pessoas negras.”
Entretanto, para desmistificar esse argumento a pesquisadora estadunidense Dra. Joy Angela DeGruy estudou sobre a “Síndrome pós traumática de pessoas escravizadas” e explicou o porquê não haveria a possibilidade de existir “racismo reverso”- tese sustentada por pessoas brancas. Segundo a autora o período pós escravidão deixou as pessoas negras com rombos profundos na educação, na condição econômica, na saúde física, emocional e psíquica, razão pela qual ainda que se admitisse que pessoas negras odeiam pessoas pessoa brancas, estruturalmente não há qualquer equivalência com o racismo, já o impacto da opressão produzido sob corpos negros por séculos trouxeram consequências que perduram até os dias de hoje, sobretudo com a desumanização e a ausência de reconhecimento de condições mínimas a essas pessoas.
Outro pretexto para quem critica o dia 20 de novembro é de que a escravidão aconteceu há muito tempo. Ocorre que, o argumento também cai por terra, uma vez que a abolição da escravatura aconteceu em 1888 e teve vigência de quase 400 anos. Isto é, o Brasil tem apenas 131 anos pós-escravização, ou seja, menos tempo do que no período em que ela esteve instaurada. Significa dizer que muitos bisavós de pessoas que ainda estão vivas nos dias de hoje foram pessoas escravizadas.
Os alemães não conseguem olhar a sua história sem reconhecer a mancha produzida pelo holocausto dos judeus, os americanos não podem esquecer os bombardeamentos atômicos das cidades de Hiroshima e Nagasaki e os brasileiros devem olhar para o racismo como algo que precisa de revisão histórica e conserto, já que racismo não foi criado por pessoas negras.
Em termos de legislação, o Brasil internacionalmente assinou uma série de tratados e convenções sobre o tema, quais sejam: a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a Convenção sobre a Discriminação no Emprego e Ocupação, a Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação Racial, a Declaração sobre raça e os preconceitos raciais, a Declaração e Programa de Ação adotados na III Conferência Mundial de Combate ao Racismo, Discriminação Racial, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata, entre outros.
Nacionalmente, observa-se a Constituição Federal, a Lei nº 7.716 contra o racismo e Código Penal e o Estatuto da Igualdade Racial, a Lei 12.990/2014 – Lei de Cotas raciais nos concursos públicos e a Lei 12.711 de 2012, chamada Lei das Cotas no ensino Superior.
Entretanto, nos Tribunais o avanço é acanhado tanto na esfera penal, trabalhista e cível. Embora o racismo seja considerado um crime da natureza hedionda, ou seja, muito grave e que merece punição mais severa, é comum que o crime seja desqualificado e enquadrado no crime de injuria racial, sendo na prática ação criminal que não enseja em pena de prisão. No mesmo sentido, o racismo corporativo, aquele que acontece dentro do ambiente de trabalho, é de difícil comprovação justamente porque o patrão não deixa muitos rastos ao a praticar as humilhações. Além disso, mesmo quando há provas da prática criminosa, quando a ação é ajuizada na esfera trabalhista ou cível é comum que os magistrados não reconheçam o assédio moral.
Nesse ponto, é importante ressaltar que o judiciário brasileiro é formado por 84,4% de magistrados autodeclarados brancos, segundo o Conselho Nacional de Justiça. Na mesma linha, nos Tribunais Superiores, 91,1% dos Ministros são brancos e no Ministério Público 77% dos promotores e procuradores são brancos em consonância com o Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESC).
Me vem a memória a fala da atriz e poeta Elisa Lucinda na série Diálogos Ausentes: “Se tem territorialidade, tem apartheid. Sem tem onde encontrar preto e onde encontrar branco, tem apartheid. A gente fica fingindo que não vê, mas é porque não vê mesmo. Tem uma cegueira.” (sic).
Com efeito, embora seja de suma relevância fixar na legislação o caráter pedagógico e punitivo contra aqueles que cometem racismo, injuria racial ou assédio moral motivado por discriminação racial, apenas a lei não tem dado conta desse hiato social e histórico produzido pelo racismo.
Assistimos um cenário de muito contraste, já que os cargos públicos em alto escalão e os espaços de decisão continuam tomados majoritariamente por pessoas brancas, enquanto que pessoas negras lutam diariamente para serem reconhecidas como sujeito de direitos mínimos, essenciais para a vida humana como comer, ter onde dormir e acessar o estudo. Além disso, os retrocessos da Lei Trabalhista e da Reforma da Previdência impactam diretamente as pessoas negras, justamente porque retiram direitos de pessoas que já se encontram economicamente vulneráveis.
Iniciativas tímidas têm emergido para tentar dar conta desse abismo sócio racial, como por exemplo: o Pacto pela Inclusão Racial no Mercado de Trabalho do Ministério Público do Trabalho e a Coalizão Empresarial para Equidade Racial e de Gênero.
Instituições da sociedade civil e os movimentos sociais, como a Educafro, a Faculdade Zumbi dos Palmares, o Instituto Luiz Gama, o Instituto Identidades do Brasil, Reledes e o Comitê de Igualdade Racial do Grupo Mulheres do Brasil têm realizado trabalhos de advocacy contra o encarceramento em massa, contra a violação de direitos das mulheres negras, fomentando a discussão e promovendo ações afirmativas e trabalhando na conscientização Brasil adentro em favor da igualdade racial.
Nesse sentido, em virtude da urgência do tema, não há como encarar a inclusão e a igualdade racial exclusivamente como um “selo de politicamente correto” como alguns teimam em enxergar o assunto, como se isso fosse algo da moda e passageiro, ao contrário.
Para superar o racismo é fundamental pensar em políticas de desenvolvimento e de reparação histórica numa perspectiva ampla sendo elas voltadas a educação, observando-se desde a evasão escolar ao ingresso e permanência no curso superior; o mercado de trabalho com a garantia de direitos trabalhistas - alertando-se para o contingente de universitários negros que não conseguem emprego. Por fim garantir às pessoas negras ascensão econômica como, por exemplo, equiparação salarial, plano de carreira nos cargos de liderança e facilitação de acesso ao crédito a empreendedores negros. Com efeito, É necessário que a agenda da igualdade racial seja um projeto de Estado aceitando-se institucionalmente o Brasil como ele é: diverso, rico e colorido.
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