A pedagogia dos afetos: corpo, linguagem e performance
- Monique Prado

- 6 de ago.
- 3 min de leitura
Atualizado: 8 de ago.
Assim como intelectuais contemporâneos como Leda Maria Martins e Tássio Ferreira que têm pensado formas pedagógicas assentadas na africanidade e na diáspora africana, particularmente como alguém que tem ocupado espaços acadêmicos e culturais, tenho trabalhado de forma prático-teórica em sala de aula com uma abordagem voltada ao campo dos afetos, para compreender o que essa experiência de mulheres negras em sala é capaz de produzir.

Vou aqui chamar essa pedagogia de "escambo linguístico" compreendendo a necessidade de aparato de trocas que se dão para além do campo da linguagem falada. A relação de troca de linguagens sejam elas pela oralidade, gestualidade e performance corporal, expressam esse conjunto de agenciamento da subjetividade de quem fala e de quem escuta.
O motor mobilizador de duas mulheres negras em escambo linguístico, alavanca a possibilidade e a potencialidade de um aprendizado que transpassa a relação professora e aluna, já que a intersubjetividade está presente; isto é, o corpo de uma, atravessa e afeta o da outra. Estamos falando da encruzilhada entre corpo e vivência.
Nesse ritual das aulas, presencio como professora o desenrijecimento do corpo e a permeabilidade das emoções. os afetos entranhados ganham espaço, já que a negritude gesta uma força motriz conectada em direção à vida como nos ensina os povos bantos ao explicar a natureza do NTU, força marcada na presença da energia da vida.
O efeito disso é a transformação do espaço pedagógico como palco de espelhamento, de acolhimento, ou até de completo estranhamento, sendo todas essas experiências conjugadas em afetos de múltiplas naturezas: apaixonamento, raiva, frustração, euforia, solidão, cura, empatia e coragem. Por exemplo, quando estamos falando do ensino da língua inglesa é muito comum que eu ouça nas primeiras aulas os seguintes desabafos: "me sinto travada", "não gosto do inglês"ou ainda "vou bem na leitura ou na escrita, mas não consigo falar". Os primeiros meses são dolorosos porque a interdição, geralmente cultivada por metodologias que envolvem a cobrança da performance correta e a americanização do sotaque, ainda estão implicadas nesse corpo. Com o tempo a permeabilidade dos afetos, vai permitindo frases como "nossa, era só isso!?", "não é tão difícil", "to focada em aprender esse negócio nem que seja na força do ódio", "Tô pensando em fazer um intercâmbio".
Já em espaços culturais, sinto que o trânsito é mais fluido e o intercâmbio das experiências circulam pelo corpo como água corrente. Levadas a refletir sobre a obra de autoras como Beatriz Nascimento que vai pensar o corpo atlântico, Lélia González que cunhou o termo amefricana, Carolina Maria de Jesus com o quarto de despejo e Neusa Santos com tornar-se negra, vimos esse corpo coletivo da sala de aula dar lugar a intersubjetividade, " eu sou porque nós somos", reconhecido pelo povo Bakongo como unidade-coletividade.
A sala de aula através do corpo-histórico dessas mulheres passa a transbordar em pranto, excitação e reconhecimento da própria potencialidade, muitas vezes atrelada a trajetória de mulheres negras da própria família: a relação com cabelo, com o espelho, com os afetos, com as ausências e solidões produz o o tecimento de redes emaranhada em várias emoções que como sinapses transcorrem em comunicação de ordem verbal e/ou performática.
A pedagogia do "escambo linguístico" admite a complexidade do corpo transatlântico que carrega o Banzo, a experiência africana consciente ou inconsciente e a transmissibilidade pelo corpo, recriando na diáspora com todos esse repertório, reorganizando subjetiva e coletivamente o aprendizado.






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