Da dor da rejeição ao sabor da cura
- Monique Prado

- 1 de ago. de 2022
- 3 min de leitura
Atualizado: 3 de jul. de 2023
Meu pai é a minha primeira figura masculina e isso me abala bastante porque todo o contato afetivo com a masculinidade veio nascer depois de adulta e minhas referências eram muito tenras.
Cercada por mulheres, muitas delas pretas, foram elas quem me deram base para o afeto, abriram o portal para os acessos mais profundos do meu ser. Aprendi muito sobre respeitar, apoiar e criar uma rede afetiva forte em que eu pudesse me encontrar quando precisasse dar ou receber afeto. Elas quem quebraram as muralhas e me mostraram caminhos férteis no campo do amor.
Quanto aos homens, fui sendo desencorajada por essas mesmas mulheres a desconfiar desses sujeitos seja por manipulação, por desgosto, por medo ou por cansaço.
Há muito pouco tempo, tenho feito o esforço de ampliar o meu cenário afetivo, investindo energia para desconstruir essas crenças sobre homens, pois apesar das estruturas atravessadas inclusive pela colonização nos corpos dos homens negros, tenho pensado como essas confluências, como diria Nego Bispo, são cruciais para quebrar essa mega estrutura da branquitude eurocentrica que fez a gente se odiar.
Entretanto, é desafiador desembaralhar esse sistema corrompido quando não se há boas referências de homens que te cercam. Felizmente, especialmente revisitando as figuras de homens negros como meus irmãos tenho passado a compreender as camadas dos nossos.
O que tem me feito acreditar na masculinidade é o rap que escancarou uma porteira de homens que estão falando de dor, mas também tão dizendo de amor. Lidar com as experiências duras que me colocaram frontalmente com a rejeição, tem me feito ampliar esse leque buscando me afastar de arquétipos por meio de terapia e acolhimento.
Os trinta anos é um marco importante na minha vida porque tem feito me olhar para dores que jamais eu pude observar, já que estava tão imersa no meio inconsciente que agora ao acessar determinadas memórias, o meu peito rasga.
Fato é que todas essas mulheres que me moldaram sobre o afeto tiveram vivências difíceis ou até traumáticas. No entanto, essas dores que vão caminhando de geração e geração tem a ver com o fato de que muitas mulheres pretas estavam marginalizadas e sequer podiam olhar para as suas subjetividades, processar os seus sentimentos e elaborar as suas angustias.
Muitas vezes eu olho para as minhas dores com a responsabilidade de minimamente curar a minha ancestralidade, as mulheres que jamais tiveram a chance de se afirmar sujeitas, de dizer não, porque estavam o tempo todo a serviço do sistema que as engolia.
Hoje eu faço o caminho inverso para acessar essas memórias que estão no meu DNA e que de alguma maneira afeta a maneira como eu me relaciono, pois aprendi que o amor masculino "sempre vai ser assim", o que nos gera dependência emocional ou sensação de abandono quando ele se esgota, quando somos traídas, trocadas, humilhadas.
Hoje eu digo basta. Isso não é afeto.
Prefiro fazer as pazes com o que há de mais sincero e decodificado sobre o amor. Bell Hooks não define o amor enquanto ação à toa. Por isso faço esse movimento para perdoar todos os homens que não tiveram a inteligência emocional para amar com verdade e me libertar de qualquer memória de escassez, rejeição e abandono.
Eu me reconstituo para não sucumbir.
Coloco todas as minhas lágrimas para fora porque elas ajudam a limpar a minha alma. Embora essas cicatrizes, essas marcas não são minhas. Tenho a gratidão de poder contar com essa rede poderosa e olhar para isso com muito cuidado e afeto para me abrir para novos símbolos de masculinidade.







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