As 05 fases para o exercício pleno de profissionais negros no corporativo
- Monique Prado

- 24 de jun. de 2021
- 4 min de leitura
Entre idas e vindas em instituições públicas e privadas, escrevo em primeira pessoa algumas fases da minha vivência enquanto profissional negra. Já se vão 15 anos no mercado e por isso, compartilho 05 fases que entendo fundamentais para o exercício pleno profissional de nosso povo preto: existência, resistência, acolhimento, reconhecimento e pertencimento.
É muito comum a população negra dividir as suas jornadas entre estudo e trabalho logo no início da adolescência, período esse que famílias mais abastadas já fizeram inclusive um plano de carreira para os seus filhos, observando as possibilidades acadêmicas, cursinhos, compatibilidade de tempo e dinheiro que serão investidos nos seus filhos.
Enquanto isso, muitos de nós negras e negros oriundos de escola pública, sendo a primeira geração de formandos, precisamos decidir rapidamente a faculdade, a universidade e como faremos para conciliar jornadas exaustivas de trabalho e estudo, especialmente se escolhermos nos dedicar à universidades públicas.
Pois bem, passado todo esse desafio primário, lá estamos nós 50,3% nas universidades públicas desse país segundo dados do IBGE de 2018, que maravilha! Agora seremos absorvidos pelo mercado de trabalho e finalmente os sonhos depositados pelos nossos pais, avós, tios e professores do ensino médio, passarão a ser materializados em nossa existência. A formação acadêmica começa a ser o início da nossa emancipação, certo?!
Uma grande mentira! Os desafios começam a vir logo nas primeiras entrevistas. Me lembro das primeiras entrevistas de emprego em grandes escritórios de advocacia, a cara de desprezo dos recrutadores, gestores e advogados executivos que conduziam a conversa. Mesmo travestindo uma imagem dentro do tal “padrão executivo” e naquela época sem o Black Power que ostento hoje, a imagem do meu corpo representava uma ameaça naqueles espaços eugenistas, onde a brancura se espalhava pelos quatro cantos das salas.
Veja, ter um currículo bom nos primeiros anos de formação é realmente desafiador, pois o que nós negros muitas vezes acumulamos são alguns estágios e atividades anteriores relacionadas a trabalhos administrativos ou subempregos. Mas se tem uma coisa que nós que estamos habituados é trabalhar. Entretanto, o nosso corpo sequer existe para essa gente. São as mesmas pessoas que atualmente postam foto no linkedin falando de “diversidade” reproduzindo feito papagaios que “não basta chamar para festa, é preciso chamar para dançar”.
Quando furamos a bolha, somos contratadas e o nosso corpo passa a existir naquele espaço, quantas de nós estão ali? O que os nossos estão fazendo? Mandando ou servindo?
Essa é uma imagem silenciosa que já nos primeiros dias de trabalho nos defrontamos e isso faz surgir uma segunda fase: a resistência. Não é novidade que precisamos atuar e ser impecáveis para que as humilhações não comecem. O assédio no ambiente de trabalho para pessoas negras tem uma conotação diferente porque além de machismo, vem acompanhado de racismo. As investidas dos gestores tocam em questões relacionadas à nossa aparência, ao nosso cabelo, a barba de nossos irmãos, ao tom da nossa voz, tudo isso camuflado de profissionalismo, onde recorrentemente ouvimos: “se eu estou corrigindo é para o seu bem”. Benevolência branca, conhece?
É bem verdade que tem havido um esforço, ainda que tímido, da alta gestão de corporações para tornar o ambiente de trabalho mais diverso. Entretanto, existir e resistir nesses espaços não são suficientes, pois é preciso criar um ambiente que seja mentalmente salubre. Por isso, a fase do acolhimento é fundamental. Essa fase seria uma forma de diminuir o choque emocional de pessoas negras. É muito comum sermos empurradas para comissões ou comitês de diversidade para falar da experiência de ser negro, sem que antes seja realizado um trabalho de terapia organizacional para perceber o que aquele ambiente está promovendo na subjetividade desses profissionais negros, especialmente porque geralmente somos minorias nesses “empresas diversas” e viramos “manuais de instrução” sobre temáticas raciais.
Ora, promover ações de diversidade não é só criar um comitê de diversidade e dobrar a carga de trabalho de funcionários negros, os quais terão que ser mais proativos em suas atividades técnicas e apresentar soluções ao racismo corporativo. Na verdade, acredito que falta nessas instituições jogar Luiz ao pacto da branquitude instaurado como cultura na maioria das empresas brasileiras.
Evidente que a mudança cultural de uma organização requer tempo, mas quais instituições querem de verdade promover ações para além das fotos do linkedin?
Bom, para essas empresas que estão prontas para sair do véu da negação e promover ações condizentes com mudanças efetivas, sugiro a fase do reconhecimento. Esse estágio passa pelo diagnóstico dos problemas estruturais da organização no que tange as relações étnico-raciais a fim de criar um ambiente seguro, saudável e convivível entre pessoas diversas, onde as pessoas negras sejam valorizadas tecnicamente pelo desempenho de suas atividades e não sejam sobrecarregadas como um cartão de visitas: “veja, aqui também temos negros”.
O reconhecimento requer alteração nos cargos de gestão e executivos. Vamos combinar que não cabe mais essa falácia de que não há bons profissionais negros no mercado, o que precisa cessar é o horizonte de brancos só contratarem brancos ou contratarem negros somente em cargos da base da organização. Representatividade vazia ou a dita representatividade liberal também já está feio. Dois ou três negros em uma instituição com cem funcionários beira ao absurdo.
Chegamos então na última fase: o pertencimento. Nós não podemos negar que passamos praticamente o dia inteiro no trabalho. Ressalvadas as regras de convívio que são sim importantes na gestão da convivência, esse espaço precisa ter cara de lar. Pertencer exige conforto, familiaridade com o espaço e senso de coletividade. Portanto, o pertencimento é o valor que precisa estar na mira quando falamos de diversidade no corporativo.






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