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Afrofuturismo: a ancestralidade projetada para o futuro

  • Foto do escritor: Monique Prado
    Monique Prado
  • 24 de jun. de 2021
  • 3 min de leitura

É possível construir um futuro sem se ver pertencente a ele? Qual é a mensagem do mainstream quando não há inclusão de pessoas negras nas narrativas futuristas? Não há negros no futuro?


Como resposta a essas questões existenciais, o afrofuturismo tem se mobilizado como um movimento que conecta hábitos ancestrais em termos de tradições, identidade, linguagem, religião, musicalidade, entre outras práticas, reaproximando a diáspora africana.


Da escassez à transformação social, o afrofuturismo é observado a partir da ressignificação da identidade negra. Nesse sentido, a escritora Ytasha Womack o define como “uma intersecção de imaginação, tecnologia, futuro e libertação.”


Assim, se de um lado o racismo literalmente aprisiona, de outro lado o afrofuturismo é devoto à transcendência do modelo colonial, criando espaços onde pessoas negras consigam ver-se incluídas experienciando a plenitude da liberdade.


A série original americana Star Trek de ficção científica é pioneira no tema, já que tinha no seu elenco a atriz Nichelle Nichols, mulher negra que levava representatividade futurista na televisão aberta em meio à conjuntura de segregação que assolava os Estados Unidos dos anos 60.


Em entrevista, a atriz conta o episódio em que foi abordada por Dr. Martin Luther King, um grande fã da série. A atriz diz que na ocasião compartilhou com o ativista que estava desistindo do emblemático papel, já que tinha interesse em traçar novos rumos para sua carreira. Dr. King abismado lhe disse: “Você não pode desistir porque você é a imagem de onde queremos ir. Você está há 300 anos a nossa frente. Pela primeira vez estamos nos vendo como nós gostaríamos de nos ver todos os dias: inteligentes, iguais e bonitos. Você não tem um papel de um negro, você tem o papel da igualdade.”


Longe dos carros voadores, da inteligência artificial e de ideias de colonização de outros planetas, o afrofuturismo visa criar representatividade e mostrar caminhos possíveis para que pessoas negras em um cenário de opressão continuem a sonhar, razão pela qual a atriz ficou convencida em permanecer na série.


Isto é, o movimento utiliza a tecnologia, a estética, o afrossurrealismo, a ficção cientifica como mecanismo para recontar a história a partir de produções negras, produzindo novas narrativas especulativas e entusiastas sobre pessoas negras em face do estrago histórico euro-ocidental que causou apagamento, opressão e apropriação aos campos dos saberes da diáspora africana, razão pela qual o afrofuturismo tem mobilizado o audiovisual, artistas, músicos, escritores e estudiosos que enaltecem elementos da cultura negra.


Na realidade americana, nomes como os de Sun Ra, Jimi Hendrix, Missy Elliott, Tim Fielder são comumente referenciados como precursores desse movimento. Além disso, o filme Pantera Negra, ficção cientifica com todo o seu elenco negro, traz várias referências sobre esse assunto.

No Brasil, os pensadores Morena Mariah e Fabio Kabral são nomes que estão encabeçando essa conversa. Para o escritor Fabio Kabral, estudioso do tema, as narrativas afrofuturistas são fundamentais para o movimento e devem conter quatro elementos estruturais, quais sejam: 1) Protagonismo de personagens negros; 2) Narrativa negra de fantasia e/ou ficção científica; 3) Centralidade da agência africana e 4) Protagonismo de autores negros.


Nessa conjuntura, nas palavras do autor, “Afrofuturismo é esse movimento de recriar o passado, transformar o presente e projetar um novo futuro através da nossa própria ótica.” E conclui sobre o conceito: “afrofuturismo seria a mescla entre mitologias e tradições africanas com narrativas de fantasia e ficção científica, com o necessário protagonismo de personagens e autores negras e negros.”


Já Morena Mariah – criadora do projeto Afrofuturo, do qual visa aproximar o conceito de afrofuturismo por meio de oficinas - entende que o movimento é demarcado pelo renascimento das pessoas negras.


Das milenares tecnologias oferecidas do antigo Egito no contexto das civilizações, o movimento emancipatório guia-se em direção a ressignificação do discurso produzido pelo pensamento eurocentrado, já que diferentemente do que a história ocidental conta, nem sempre negro foi sinônimo de escassez e desumanização.


Em suma, para além de uma distopia e desviando-se de uma dicotomia simplista das questões raciais, o afrofuturismo é um respiro que desenha narrativas fora dos estereótipos e do cenário de violência cotidiana, resgatando engrenagens ancestrais conectando-se com um futuro em que negros também sejam vistos como potentes e com a garantia de sua humanidade.




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©2025 por Monique Rodrigues do Prado

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